Somos mais COLMEIAS

Texto e imagens: Pamela Keiti Baena

 

Evento reúne estudantes dos cursinhos populares do Programa Colmeia para uma tarde de cultura e reflexão

No último sábado, dia 25 de novembro, o auditório da ADUnicamp em Campinas foi palco da inspiradora Aula Show: “Somos Mais Colmeias”. Sob a organização da professora Dr.ª Josely Rimoli, docente da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, campus Limeira, o evento reuniu alunos integrantes dos cursinhos populares de Campinas e região.

Os cursinhos, integrantes do Programa de Extensão Colmeia: “jovens construindo seus projetos de futuro”, atualmente contam com treze unidades, promovendo aulas preparatórias para o vestibular de forma gratuita a alunos das periferias urbanas.

A professora Josely destacou a importância do encontro, dedicado a proporcionar acolhimento aos estudantes que enfrentam a fase de provas do ENEM e vestibulares. “Nós aprendemos que essa é uma época muito tensa. Então, nós nos unimos para demonstrar que estamos torcendo por vocês”, expressou com empatia aos alunos presentes.

Para o próximo ano, a programação dos cursinhos populares incluirá assembleias para ouvir as experiências dos estudantes, avaliar a rede do Programa Colmeia e pensar estratégias de educação e integração com a comunidade. A professora Josely fez ainda um convite aos estudantes para se envolverem na criação de um grupo de estudos para leituras coletivas dos livros do vestibular. Dentre os que serão lidos, está “A Vida Não é Útil” de Ailton Krenak (Companhia das Letras, 2020), livro que compõem a lista de leituras indicadas para o vestibular da Unicamp até 2026.

Em consonância com os eventos do mês de novembro, a professora ressaltou a relevância do Mês da Consciência Negra: “O terceiro motivo para estarmos aqui hoje é que nós estamos no Mês da Consciência Negra, que foi uma conquista, uma longa conquista e resistência.”

“Os nossos corpos nasceram não só para ficar sentado, para ficar nas telas. Queremos que vocês tenham acesso às várias artes: a capoeira, as manifestações populares, o hip hop. Cada um gosta de um estilo e queremos respeitar todos. Queremos também estimular a leitura. Temos em Limeira uma tradição, que são os Cafés Literários. (…) Vamos ler mais, vamos escutar boas músicas, como os Racionais, Emicida e vários outros e outras.” 

Pensando nisso, a professora concebeu uma programação cultural que abordou temas relevantes nos vestibulares. A atividade teve a intenção de mostrar a diversidade de maneiras de se adquirir conhecimento, destacando que a expansão da bagagem cultural transcende os limites das salas de aula, incorporando o conceito de “aula show”. 

A primeira apresentação foi da cantora Ana Mowatcha, interpretando cantos indígenas. Ana é aluna do curso de Licenciatura em Música da Unicamp, ingressante em 2021 por meio do vestibular indígena.

“Eu sou da etnia Tikuna. A maior concentração do meu povo é localizada no Amazonas, no Alto Rio Solimões, ali perto da fronteira com a Colômbia e o Peru. A universidade e o curso de Música ainda são bem fechados às músicas não europeias, mas, em trabalhos, quando os professores pedem análises de músicas, eu tento analisar uma música do meu povo. Quando pedem ‘escreva em partitura uma música que você saiba’, eu sempre tento pegar uma música do meu povo, mesmo porque, normalmente, as músicas indígenas não têm registro em papel. Tento fazer com que elas tenham um registro. A cultura indígena é passada oralmente, não tem papel, livro. Então, fazendo isso, faz com que se preserve mais.”

Sobre a necessidade de se conhecer os povos por meio dos próprios indígenas, Ana diz: 

“A presença indígena nos cursinhos é muito importante. Atualmente, está caindo bastante essas questões sobre os indígenas, sobre os territórios, principalmente sobre o marco temporal que está sendo discutido. É bom se discutir a cultura indígina, porque pode cair nas provas, mas também para as pessoas conseguirem ter mais acesso. Porque, normalmente, o que se tem acesso são os livros de História, só que o que contam nos livros de História não foi a gente que escreveu. É a visão do homem branco sobre a gente. A nossa presença nesses lugares, para a gente falar a nossa realidade por nós mesmos, é bem importante.”

Na sequência, o Grupo de Teatro Somos Racionais fez uma leitura dramática da obra dos Racionais MC’s. Formado por sete atores, suas performances inspiram-se tanto nas letras das canções dos Racionais quanto no que observam em seu próprio cotidiano. Bruna Costa, Thiago Henrique de Lima, Manuela Alves Fontana, Alexandre Garcia e Johnny Lima, jovens vindos de escolas públicas e de periferias, contam que a proposta do grupo é “levar a arte da periferia de volta para a periferia. Para as escolas públicas, para os cursinhos populares, buscando apoios pela ideia de trazer a arte de uma forma acessível e gratuita para todes”.

“A gente traz nessa leitura teatral do álbum ‘Sobrevivendo no Inferno’ a ideia de que o rap ultrapassa todas as barreiras das artes. Através da arte teatral você consegue também apresentar a denúncia do rap, a denúncia que Racionais representou e representa até hoje. Então, acredito que nossa ideia é transformar a arte e o rap em mais um recurso” disse Bruna. “Nós acreditamos também que o teatro é uma ferramenta de desalienação e uma possibilidade de cura social”, complementou Manuela.

O evento encerrou com a apresentação musical do Núcleo de Samba Cupinzeiro com o show “Cantando Cartola”, tocando um repertório de canções compostas ou interpretadas pelo grande sambista. O grupo é formado por Anabela Leandro nos vocais, Roberto Amaral Dos Santos na percussão, Edu de Maria na voz e na percussão, Laércio Miranda no violão e Lucas Arantes no cavaquinho. 

“Em 1950, 1960, as pessoas faziam samba na rua e a polícia chegava, quebrava tudo e os levava presos. Então, se esses caras não tivessem resistido e não continuassem fazendo música mesmo tomando ‘porrada’ da polícia, não poderíamos estar aqui. Eu não poderia estar na universidade falando hoje de samba.Não poderíamos estar, brancos, negros, mulheres, pessoas trans, indígenas, dentro da universidade fazendo o que estamos fazendo. E hoje eu me orgulho muito, porque eu também sou professor da Universidade Federal de São Carlos, no curso de Licenciatura em Música, depois de uma longa trajetória  de estudo e pesquisa. Dou uma disciplina do programa de extensão sobre samba, para a tocar e cantarmos samba juntos. É graças a essa resistência negra que podemos fazer isso. Temos que louvar e realmente valorizar toda essa trajetória e nossos ancestrais que fizeram com que estivéssemos aqui”, disse o músico e professor Edu de Maria. 

Os valores do Colmeia foram reforçados até no intervalo, com a oferta de lanches naturais, alinhados ao incentivo de uma alimentação saudável. O evento, marcado por sua diversidade cultural e compromisso social, reforça o impacto positivo dos cursinhos populares na formação dos estudantes, incentivando não apenas o conhecimento acadêmico, mas também a valorização da diversidade e cultura.

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