O encontro ocorreu no dia 27 de junho no Centro de Convenções da Unicamp
Texto: Maria Luiza Robles Arias | Imagens: Irani
Na última quinta-feira (27), os Fóruns Permanentes da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proec) trouxeram para debate as Convergências Psicodélicas sob a ótica da Ciência, da Cultura e da Terapia. O objetivo do tema foi promover importantes discussões acerca do uso de plantas e substâncias psicodélicas e de suas aplicações na manutenção e na produção da saúde, bem como pautar os desafios de tais práticas. O evento, organizado pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, aconteceu durante todo o dia, no Centro de Convenções.
A cerimônia de abertura dos Fóruns iniciou-se às 9h, com uma mesa composta pelo organizador do evento e também professor da FCM, Luís Fernando Tófoli, e pelo assessor da Proec, Marco Aurélio Cremasco, representante do pró-reitor Fernando Coelho no momento. Ambos partilharam dificuldades que são encontradas quando a medicina não convencional é debatida. “Quando a gente fala de aplicação da ciência nas políticas, elas não necessariamente têm a ver com evidência científica e a própria evidência científica pode ser manipulada. Então, o jeito que a gente constrói determinados saberes pode trazer muitos vieses”, contou Tófoli. Cremasco também debateu os preconceitos às demais práticas medicinais: “As pessoas podem até ser contra, mas elas jamais impedirão o debate. Quando a gente traz essa discussão proposta pelo professor Luís, a gente vai muito além do conhecimento acadêmico. Um dos pilares da nossa pró-reitoria é: se o pessoal mais distante – em termos de acessibilidade – não têm voz, sejamos nós a voz deles. Somente assim poderemos construir um conhecimento único e plural que extrapola o conhecimento meramente acadêmico”, completou.
Dando prosseguimento aos trabalhos da manhã, à cerimônia de abertura seguiu-se a primeira mesa do dia: Psique e Substâncias: Estudos Psicofarmacológicos. A mesa foi composta por Kellen Vilharva, indígena da etnia Guarani Kaiowá, bióloga e doutoranda em Clínica Médica pela Unicamp; Pietro Benedito, sociólogo e doutor em Sociologia; Luís Fernando Tófoli, psiquiatra, professor da FCM e organizador do Fórum.
Kellen deu início à mesa, verbalizando a vastidão de conhecimentos oriundos dos povos originários em relação a plantas medicinais, à medicina indígena e a como eles são pouco valorizados na sociedade – ou, quando são, são comercializados e afastados por completo das suas origens. “As pessoas têm muito preconceito quando a gente fala de medicina tradicional indígena. […] Elas também têm uma ideia muito errada em juntar todos nós, indígenas, no mesmo grupo. O ideal seria realmente falar povos originários porque o conceito dos povos dá uma dimensão dessa diversidade que temos no Brasil”, ressaltou Kellen.
A bióloga também expressou sua indignação com os estudos de plantas e práticas medicinais indígenas levados para fora das aldeias e que nunca mais voltam. “Minha grande crítica é: para quem a gente vai esses remédios e tratamentos que a gente estuda e que são à base de plantas medicinais indígenas. A gente estuda para melhorar a qualidade de vida das pessoas, mas quem são essas pessoas? Várias plantas medicinais são hoje remédios que custam caríssimo e que a maioria dos indígenas não consegue comprar. Cadê o retorno? Indígenas são assassinados ou cometem suicídio com uma frequência assustadora. Por que não usamos esses estudos para ajudar eles também? Por que isso não tem retorno para as aldeias?”, enfatizou. Kellen ainda finalizou sua fala reforçando a importância dos indígenas dentro dos estudos medicinais. “Que quando a gente estiver dentro dos nossos laboratórios, quando a gente estiver escrevendo nossos relatórios, que nós lembremos dos povos indígenas”, advertiu.
Pietro contribuiu para o debate ao falar sobre o uso de terapias psicodélicas como facilitadores para abusos de pacientes dos mais variados. “As violências continuam acontecendo nesses espaços e, como eu já disse, elas não são casos isolados”, revelou. O sociólogo apontou ainda como essas terapias podem ser usadas de forma benéfica, ressaltando, contudo, que elas precisam ser mais estudadas e as violências combatidas.
Por fim, Tófoli relembrou a importância de estudar e pesquisar os psicodélicos, pois há uma variedade de possibilidades terapêuticas com eles, mas existem ressalvas. “Psicodélicos não são isentos de riscos. Mesmo com sua eficiência clínica comprovada, eles podem, sim, oferecer outros tipos de riscos e não podem, de maneira alguma, serem usados em qualquer pessoa”, pontuou.